Por Heleno Costa Junior*

Em 2019, ao menos 12 instituições de saúde pegaram fogo em 11 estados do País. Recentemente um fato ocorrido no Rio de Janeiro foi acompanhado em transmissões ao vivo por TVs e mídias sociais, com imagens e relatos que chocaram os espectadores e cujos desfechos incluíram óbitos de pacientes internados e sérios danos em profissionais da unidade. Outras consequências e desdobramentos também puderam ser observados, como a interdição de ruas próximas, o acionamento de instituições públicas e privadas e ainda a transferência em massa de pacientes para outras unidades. Mas, como evitar situações como essas?

Incêndio é um evento que sempre acarreta alto risco e gravidade em qualquer estabelecimento ou instalação onde estejam presentes pessoas, risco e gravidade que aumentam substancialmente quando essa situação acontece em uma instituição de saúde. Nesse ambiente se encontram pessoas que estão em condições físicas que prejudicam substancialmente a possibilidade de evasão, o que se agrava mais ainda se forem considerados aqueles que estão completamente acamados e em uso de equipamentos, como aparelhos de suporte respiratório. Soma-se a isso, o fato de que hospitais têm grande quantidade de materiais inflamáveis e instalações com presença de grandes tambores de gases, que podem até mesmo, causar explosões, ampliando em muito as consequências de um incêndio.

A falta de cultura e a obrigatoriedade de realizar ações de prevenção e treinamentos relacionados como esse tipo de evento é um dos fatores responsáveis por situações como essa. Outro motivo está na configuração das instalações da maioria dos hospitais, onde inexiste a preocupação e, principalmente, os investimentos necessários em dispositivos e equipamentos de identificação, contenção e eliminação de fogo e fumaça nesses ambientes. Soma-se a isso a inexistência ou insuficiência da composição e funcionamento das brigadas de incêndio, cujos membros devem ser integrantes das equipes profissionais ou exclusivamente contratados para esse fim, devidamente treinados por autoridades, organismos ou empresas competentes e credenciadas, como bombeiros militares. Essa composição da brigada se diferencia em função do tamanho e da conformação da estrutura e das instalações do hospital.

Essas questões ganharam nova perspectiva e dimensão no ambiente da saúde, quando se introduziram no Brasil os padrões e requisitos de programas de acreditação internacional, que mudaram regras e cultura nesse foco do planejamento e prevenção de incêndios. Foram introduzidas exigências que já eram inclusive legais em outros países, especialmente nos Estados Unidos, origem da Joint Commission International (JCI), maior e mais renomada agência avaliadora da qualidade e segurança em saúde do mundo. A obrigatoriedade de, desde a concepção e construção até o funcionamento pleno da instituição, se instalar dispositivos e equipamentos específicos para evitar, mitigar ou reduzir as consequências de um incêndio, atende à legislação e regulamentos absolutamente definidos. No Brasil, ainda não temos essa legislação ou regulamentação efetivamente definida. Algumas regras ou normas são previstas na RDC 50, resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mas não traz especificações devidas sobre esses tipos de dispositivos ou equipamentos, que por vezes, são também normalizados em âmbitos estaduais ou locais, conforme definições de diferentes órgãos, como bombeiros, prefeituras etc.

Essa “desregulamentação” proporciona erros graves desde a concepção das instalações, ainda nas plantas. As avaliações realizadas em hospitais brasileiros pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação – representante da JCI no país – apontam, em etapas iniciais, percentuais entre 70 e 80% de não conformidades nos padrões e requisitos que tratam do gerenciamento e segurança das instalações, não só especificamente no que se trata de incêndios. Inexistência ou insuficiência de fontes específicas com reservatórios de água para abastecimento de hidrantes e sprinklers, de extintores, de portas corta-fogo, assim como também inexistência de detectores de fumaça, da sinalização própria para escadas ou ambientes de fuga ou evasão, de mapas de risco, de equipes treinadas para emergências, entre outras situações, são frequentemente identificadas nas avaliações. O percentual de não conformidade se amplia para 90 a 100%, quando se trata da realização de simulados, que efetiva e regularmente devem ser feitos por profissionais qualificados e devidamente monitorados e avaliados quanto aos seus reais resultados. Essa exigência possibilitaria a mitigação ou evitaria as consequências graves de sinistros de incêndios ocorridos em instituições de saúde brasileiras.

Ainda será necessário um trabalho estruturado e pragmático no sentido de se transformar a cultura brasileira acerca dessa questão. Para autoridades competentes e gestores de saúde é absolutamente necessário definir e se estabelecer leis e regulamentos específicos, claros e consensuais, no âmbito nacional, que possibilitem a efetiva prevenção e mitigação dessas ocorrências, incluindo a realização devida e regular de simulados, assim como o investimento contínuo das instituições em suas instalações, dispositivos e equipamentos, mas especialmente, na formação e educação permanente de seus profissionais sobre como agir no objetivo de proteger o valor mais importante da missão de qualquer instituição de saúde, qual seja, a vida de seus pacientes.

* Heleno Costa Junior é Mestre em Avaliação de Sistemas e especialista em Administração Hospitalar. É superintendente do Consórcio Brasileiro de Acreditação, organização avaliadora da qualidade em saúde e representante da Joint Commission International no Brasil.